Este é o 3º texto da série especial do Monitor do Mercado sobre a Reforma Tributária e seus impactos sobre as empresas, com um panorama da regulamentação até o momento, principais aspectos e análise de especialistas. Clique aqui para ler a parte3
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) realizou uma audiência pública nesta terça-feira (26) para discutir sobre a questão do desenvolvimento regional e da competitividade a partir da Reforma Tributária, além de algumas mudanças na regulamentação dos projetos, a fim de assegurar às empresas o acesso ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF), elaborado por meio da Emenda Constitucional 132, que instituiu o novo sistema de tributação no Brasil.
Ao mesmo tempo em que se vê uma tentativa do governo em amenizar os impactos do novo sistema tributário para as empresas, no sentido de recompensá-las pelos tributos pagos e promover uma justiça fiscal, as empresas podem se ver ameaçadas pela alta carga fiscal, podendo, inclusive, “colocar o Brasil em uma situação de desvantagem competitiva internacional”, conforme aponta Liêda Amaral, tributarista, ex-auditora fiscal da RFB e professora de MBA na BSSP Centro Educacional, em seu artigo ao site ConJur.
Ameaça à competitividade
Liêda esclarece que quando comparamos o Brasil a outros países que operam com IVAs mais baixos, pode haver um prejuízo à competitividade. “a pressão tributária interna reduz o potencial de investimentos e limita a capacidade das empresas brasileiras de expandir seus negócios e competir em escala global.”, diz.
Nesse contexto, a ameaça à competitividade deve recair principalmente sobre empresas de pequeno e médio porte, que podem ser duramente impactadas por uma carga tributária que atinge não só suas margens operacionais, mas também a capacidade de reinvestimento e crescimento a longo prazo.
Segundo ela, as mudanças no modus operandi para os vários segmentos produtivos, os quais necessitam se adaptar a uma nova realidade fiscal e operacional, podem impactar a inflação e a microeconomia, especialmente se houver um aumento nos custos dos produtos e serviços; não apenas devido à implementação de novos impostos, mas também pela elevação de algumas alíquotas existentes.
Seguindo essa lógica, quando os custos aumentam, as empresas tendem a repassá-los aos consumidores, resultando em preços mais altos e, consequentemente, em inflação. Se a empresa não estudar os impactos da nova política fiscal e tiver estabelecido regras claras para precificação dos produtos e serviços, sobretudo amparadas por um plano de ação estruturado, sua competitividade poderá ser afetada, considerando que produtos importados podem se tornar mais atraentes se forem menos caros que os nacionais.
Para a tributarista, a competição entre empresas do mesmo mercado podem trazer algumas desvantagens, como o aumento de custos operacionais, já que as empresas precisam investir mais em marketing, inovação e melhorias contínuas para se destacar, podendo reduzir lucros e impactar o fluxo de caixa, causando um efeito cascata.
“Além disso, a competição intensa pode levar à saturação do mercado, onde o crescimento se torna mais difícil e as margens de lucro diminuem, contribuindo para a desaceleração do crescimento econômico e afetar a confiança dos investidores”, explica.
A reforma e suas medidas para o fim da guerra fiscal
Em destaque na discussão, o fundo foi criado para oferecer uma compensação a estados e empresas que dependem dos incentivos fiscais e assegurar que setores estratégicos tenham condições de se adaptarem à nova realidade tributária.
O benefício também visa pôr fim à conhecida “guerra fiscal”, ou seja, à competição desigual entre os estados, causada por distorções arrecadatórias, como na cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por exemplo, que incide na origem e posteriormente é compartilhado com o estado de destino. Nesse processo, os estados competem entre si e oferecem benefícios fiscais para atrair empresas e novos investimentos. Em troca, eles recebem isenção parcial ou total do ICMS, que é a maior fonte de receita estadual, impactando de forma negativa a economia em determinadas regiões.
Para Guilherme Di Ferreira, diretor-adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO e responsável pela área tributária do Lara Martins Advogados, a proposta de fim da guerra fiscal visa uniformizar a tributação entre os estados, eliminando incentivos regionais que, historicamente, atrairiam investimentos para determinados setores. Embora essa medida busque equidade, existe o risco de que regiões menos desenvolvidas percam a competitividade, agravando as desigualdades econômicas.
Segundo Di Ferreira, enquanto a reforma apresenta oportunidades para modernizar e simplificar o sistema fiscal brasileiro, é fundamental uma análise cuidadosa de seus efeitos sobre a concorrência e o desenvolvimento regional. “A adoção de medidas compensatórias e a garantia de flexibilidade fiscal para os estados serão essenciais para equilibrar as mudanças promovidas pela reforma, com a promoção de um crescimento econômico inclusivo e sustentável.”, completa.
Propostas para o FCBF
As alterações reivindicadas na audiência pública devem ocorrer no Projeto de Lei Complementar – PLP 68/2024, que além de instituir o IVA, também estabelece as regras para liberação dos recursos do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF).
Segundo o governo, a previsão é de que o fundo seja liberado já em 2025, com aporte inicial de R$ 8 bilhões, devendo chegar a R$ 32 bilhões até 2028. Após esse período, os repasses serão reduzidos progressivamente até R$ 8 bilhões em 2032 e extintos em 2033.
Na audiência foram destacados alguns pontos críticos do atual texto do PLP 68/2024, que podem dificultar o acesso ao benefício, tais como o papel centralizador da Receita Federal na definição de quem pode ter acesso à compensação.
O secretário de Fazenda de Mato Grosso e representante do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz), Rogério Gallo, reivindicou que as empresas que receberam benefícios fiscais dos estados antes da reforma tributária sejam ressarcidas por meio do FCBF, considerando que elas têm um direito adquirido por fazerem investimentos amparadas por benefícios fiscais.
“Precisamos manter a neutralidade dos efeitos da reforma tributária sobre o setor privado. Se um auditor indeferir uma habilitação, essa empresa deixa de ser competitiva. A grande subjetividade que se tem no PLP 68/2024 pode ensejar inúmeras batalhas judiciais.”, disse.
Já o superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Carraro Telles, defende que para essas empresas os recursos do fundo sejam isentos de tributos como o Imposto de Renda (IR) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Em entrevista à Agência Senado, o professor de direito tributário da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Tácio Lacerda Gama, disse que “a manutenção das regras previstas no PLP 68/2024 pode provocar um contencioso multibilionário” e que a compensação deve ser feita sem limitações, assim como as limitações administrativas devem ser suprimidas e o poder discricionário da Receita Federal deve ser mais específico.
Fim das distorções fiscais e da guerra fiscal
A prática de concessão de benefícios fiscais parece ser um dos artifícios que a Reforma Tributária deve usar para corrigir as distorções fiscais do atual sistema de impostos e resolver a questão da guerra fiscal.
Estabelecendo uma relação entre arrecadação de impostos, compensação fiscal e a questão da competitividade, ou da guerra fiscal, o advogado tributarista no escritório João Batista Advocacia e especialista em Direito Tributário pela PUC Minas, Pedro Saraiva Lima Sousa, enfatiza que o atual sistema de tributação na origem interfere, entre outros fatores, nas decisões de localização das empresas, que ao invés de preocuparem-se com a questão logística, priorizam estados com menores custos tributários.
Para Souza, esse comportamento “gera distorções na livre concorrência, fazendo com que as empresas busquem vantagens via sistema tributário ao invés de investir na eficiência operacional.”
Como consequência, as regiões menos favorecidas passam a depender mais dos incentivos fiscais e compensam a renúncia tributária, aumentando a carga em outros setores, comprometendo a competitividade saudável e o equilíbrio do mercado.
Segundo ele, com o princípio de destino, proposto no novo sistema tributário, será possível corrigir essas distorções e promover uma arrecadação mais justa, além de beneficiar regiões com maior demanda de consumo, ao descentralizar a arrecadação dos estados produtores para os estados consumidores. Assim, os benefícios fiscais deixam de ser necessários, uma vez que a localização das indústrias não deverá afetar a arrecadação tributária sobre o consumo.
Sousa também destaca que com a Reforma Tributária, além de promover mais transparência ao processo, deve dificultar o uso de isenções de impostos como instrumentos de negociação política.
Nesse contexto, além do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF) debatido nesta terça-feira, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, igualmente instituído pela Reforma Tributária, também é uma solução que vai de encontro à questão da compensação fiscal. O foco deste benefício, portanto, está voltado ao fomento da inovação e da sustentabilidade, visando auxiliar as empresas no período de transição, transição, além de corrigir as desigualdades regionais.
Este fundo é financiado pela União e contará com investimentos progressivos de até R$ 60 bilhões a partir de 2043, voltados aos setores de infraestrutura e inovação científica, priorizando projetos sustentáveis e com redução de emissões de carbono.
Sousa enfatiza que “o fim da guerra fiscal e a adoção de uma estrutura de tax competition (competição saudável) beneficiam o cidadão e trazem maior justiça social, com os novos fundos de compensação e desenvolvimento regional assegurando que os recursos sejam aplicados de maneira responsável e estratégica.