Este é o 1º texto da série especial do Monitor do Mercado sobre a Reforma Tributária e seus impactos sobre as empresas, com um panorama da regulamentação até o momento, principais aspectos e análise de especialistas.
O Congresso Nacional aprovou, no dia 30 de outubro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/24, o segundo projeto da Reforma Tributária, que promete ser um marco para o sistema fiscal do país, após mais de 30 anos de discussão.
O texto trata sobre o Comitê Gestor que administrará o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele segue, ainda em dezembro, para aprovação do Senado e, depois disso, para o período de implementação. Conhecer essa linha do tempo é importante para entender os caminhos da Reforma Tributária.
O texto da Reforma foi proposto pelo líder do MDB, o deputado Baleia Rossi, de São Paulo, e promulgado em 20 de dezembro de 2023, por meio da Emenda à Constituição (EC) 132/2023, criada a partir da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, relatada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Já em 25 de abril deste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou à Câmara dos Deputados o PLP 68/24, o primeiro projeto de regulamentação, que aborda as regras sobre a incidência e a base de cálculo dos impostos, esclarece os prazos e a metodologia a ser aplicada para definir as alíquotas de referência dos novos tributos e define os itens que passam a ter as alíquotas reduzidas ou isentas no novo sistema de cobrança de impostos.
Ao todo, a transição deve demorar dez anos, para, gradativamente, trocar o atual sistema tributário pelo novo. O prazo longo servirá também para a adaptação dos contribuintes e correções necessárias.
O novo modelo de tributação, segundo os projetos, deverá reduzir a complexidade do sistema tributário atual, substituindo os cinco tipos de impostos em vigor: o PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, por uma cobrança única, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), aplicado por meio da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); além do polêmico Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como os cigarros, por exemplo.
Transição do sistema tributário
A Reforma Tributária também pretende tornar a arrecadação de impostos mais eficiente, incentivar a economia e acabar com a chamada guerra fiscal, além de promover um sistema tributário mais transparente. Mas não deve reduzir a carga tributária total do país.
O período de transição será composto por duas etapas:
- Fase de teste: Redução da Cofins (sem impacto para estados e municípios), com aplicação do IBS (em1%), por dois anos.
- Fase de redução progressiva anual das alíquotas: Redução da carga em 1/8 a cada ano, até a extinção e a implementação do IBS proporcionalmente, repondo a arrecadação anterior.
Perspectivas sobre os impactos da Reforma Tributária
Toda essa transformação deve impactar fortemente as empresas e, consequentemente, o preço dos produtos e serviços comercializados.
O Diretor Adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO, responsável pela área Tributária no Lara Martins Advogados, Guilherme Di Ferreira, endossa que a Reforma Tributária promete transformar o ambiente empresarial no país.
Segundo ele, no curto prazo as empresas devem enfrentar desafios significativos, como a necessidade de adaptar seus sistemas e processos às novas exigências fiscais. “Essa transição demandará investimentos em tecnologia e treinamento, além de uma reavaliação das estratégias financeiras para assegurar conformidade e eficiência.”, observa.
Di Ferreira ressalta que, para o médio e longo prazo, a simplificação do sistema tributário deve reduzir a burocracia e os custos operacionais. Isso proporcionará “um ambiente de negócios mais favorável, considerando que a unificação dos tributos e a eliminação de sobreposições fiscais podem resultar em uma maior transparência e previsibilidade, fatores essenciais para o planejamento estratégico das empresas”.
Fernando Facury Scaff, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados, analisa que as novas regras devem ser positivas no longo prazo e que o problema da Reforma Tributária é sua complexidade; em especial, a fase de transição, na qual os dois sistemas tributários conviverão. Contudo, espera-se que ocorra alguma vantagem para as empresas e todos os demais contribuintes após a fase de transição da Reforma Tributária.
Principais diferenças entre o atual e o novo sistema tributário
Em artigo publicado no site ConJur, Scaff esclarece os principais pontos diferenciais entre o atual e o novo sistema de tributação, ressaltando a questão da competência tributária — no atual sistema de impostos as receitas públicas são repartidas em dois grupos:
- Repartição das fontes, em que a Constituição atribui a cada estado o poder de estabelecer a própria arrecadação
- Repartição do produto, quando o estado ou município arrecada e transfere a outro uma parte do que foi arrecadado, como ocorre com a arrecadação do Imposto sobre a Renda e esse montante é dividido entre os estados e municípios por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Já a Emenda Constitucional 132 rege o novo sistema de tributação. Em seu texto, a repartição por fontes, entendida como competência tributária, foi alterada, deixando de ser praticada de forma individual pelos estados e passando a ser de competência dos estados e municípios.
Dessa nova forma, “todos os entes federados internos devem trabalhar em conjunto para arrecadar o IBS para os 26 estados e o Distrito Federal, e os quase 5.568 municípios brasileiros”, dissolvendo a autonomia dos entes federados internos no âmbito arrecadatório.
Segundo Scaff, isso gera uma gigantesca redução da autonomia dos entes federados internos na arrecadação pela fonte, mas espera-se que isso venha a ser compensado em face da distribuição do produto arrecadado.
Destaques do 2º projeto da Reforma Tributária (PLP 108/24)
Na atual fase de regulamentação, o segundo projeto (PLP 108/24), que trata sobre as condições para a gestão e a fiscalização dos novos impostos, foi submetido a sugestões, que poderiam ser incorporadas ao texto do projeto ou rejeitadas.
Entre os destaques apresentados pelos partidos, com potencial de impactar as empresas de modo geral, o relator, deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) deferiu a proposta de exclusão de multas e a não representação fiscal para fins penais contra o contribuinte, no caso de processos resolvidos a favor do fisco por voto de desempate do presidente da câmara de julgamento.
Nesse caso, o contribuinte poderá fazer um acordo no prazo de até 90 dias da decisão e realizar o pagamento em 12 parcelas mensais, sem juros de mora. Durante o período do parcelamento, a empresa terá direito à certidão de regularidade fiscal e poderá utilizar precatórios para quitar a dívida.
A emenda traz outras alterações relevantes para as empresas — os atos societários que concederem benefícios desproporcionais a um sócio ou acionista deixarão de ser considerados como base para cobrança de impostos, caso não tenham uma justificativa “passível de comprovação”, especialmente quando envolver pessoas próximas.
Outra alteração incorporada ao texto é que haverá um recálculo da alíquota quando existir uma segunda transmissão de bens por herança, ou seja, quando as aplicações financeiras já tiverem sido transferidas para os herdeiros antes. Com essa decisão, o valor dos bens herdados será somado para aplicar a progressividade da alíquota do imposto.
Essas e diversas outras mudanças nos projetos, além de adequações que devem ocorrer até a fase de transição, prevista para 2033, devem alterar de forma significativa a estrutura tributária atual, buscando corrigir distorções arrecadatórias e acabar com o desequilíbrio fiscal a partir da adoção do princípio de destino.
No entanto, conforme assinala Scaff, nenhum cálculo foi apresentado durante a apresentação da Emenda Constitucional, tampouco durante a tramitação dos projetos. Dessa forma, apenas após o sistema efetivamente implantado será possível ter uma visão mais nítida dos problemas que surgirão. “Foi um salto no escuro, mas todos estamos torcendo a favor”, enfatiza.
Assista à entrevista exclusiva de Marcos de Vasconcellos, CEO do Monitor do Mercado, e Lucas Rocco, CEO da Wise Investimentos, com o deputado Reginaldo Lopes (PT), coordenador da Reforma Tributária, sobre os impactos da reforma tributária: