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Nova taxa turística de Almada – inútil e injusta

Nova taxa turística de Almada – inútil e injusta

O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda pretendem aprovar na próxima segunda-feira, 28 de outubro, uma taxa turística a incidir sobre quem pernoita no concelho de Almada. O fato de a aprovação dessa taxa estar marcada pela segunda vez para uma reunião extraordinária privada do Executivo Municipal, não pública (portanto, a portas fechadas, como se fosse secreta), demonstra como até mesmo os proponentes da medida sabem que ela não só não é consensual como também é perniciosa.

A aplicação de taxas turísticas tem sido uma medida experimentada em realidades muito diferentes daquela a que assistimos em Almada – a cobrança desse tipo de taxas pode ser justificada, mas é questionável, em regiões ou localidades onde há uma evidente pressão turística ou onde é necessário reverter para os orçamentos locais os custos de investimentos significativos no turismo, o que manifestamente não é o nosso caso.

Por definição, não apenas no ordenamento jurídico, mas também na nomenclatura econômica, a cobrança de taxa consubstancia contraprestação pela prestação de serviço público que aproveite a um particular. Uma taxa turística qualquer não poderá, portanto, constituir um imposto a incidir sobre os visitantes do concelho de Almada.

O princípio legal habitualmente utilizado para justificar a implementação de taxas turísticas é o da justa distribuição dos encargos públicos. Ora, a cobrança por um município de uma taxa que incide sobre pernoites pressupõe a prestação de um serviço pelo município – no caso das pernoites, não está claro que serviço a Prefeitura de Almada prestará aos seus visitantes, até porque os encargos com água, saneamento e resíduos já são taxados por meio das taxas cobradas dos próprios estabelecimentos hoteleiros. Fará sentido ou é justo cobrar duplamente pelo mesmo serviço? Observo que, sendo esses custos já imputados aos estabelecimentos em que os turistas se hospedam, também já estão refletidos nos preços que lhes são cobrados.

Também não é evidente que ocorra em Almada qualquer pressão sobre as infraestruturas municipais em resultado do afluxo turístico, tal como não foi feito qualquer investimento significativo que justifique a cobrança de uma taxa por contrapartida. Não estão, por isso, reunidas as condições para que a “taxa turística” seja, efetivamente, uma taxa, mas sim um imposto, o que nunca poderá ser.

Se o PS e o BE insistirem na decisão errada de implementarem este novo imposto turístico farão incidir sobre um mercado que não tem escala os custos da incapacidade do poder local em lidar com o fenómeno do turismo.

Sejamos claros – nos últimos anos Almada perdeu em comparação com seus principais concorrentes em termos de qualidade e atração turística e não foi capaz de impulsionar um setor que, de outra forma, poderia ser vital para a criação de riqueza entre nossas populações. Ao mesmo tempo, o município se mostrou incapaz para gerir e regular a pouca atividade turística que ainda persiste em Almada. Nesse contexto, diante de sua incompetência, a Prefeitura pretende passar a ideia de que todos os problemas do município serão resolvidos com mais uma taxa. Quanto à atitude do Executivo, nada de novo – a única surpresa é mesmo a cumplicidade do Bloco de Esquerda.

A taxa turística será mais um imposto indireto, regressivo, que vai penalizar quem vai a Almada para nos conhecer e gastar seu dinheiro no nosso comércio local. E esse novo imposto penalizará igualmente quem se hospedar no melhor dos hotéis ou na mais modesta das pensões, como se todos que nos visitam gozem dos mesmos níveis de riqueza. Ao contrário do que se faz, por exemplo, em cidades como Amsterdã, a taxa não representará uma fração do custo da estadia, nem será progressiva (não penalizará quem se hospedar em estabelecimentos mais caros), como acontece em Paris.

Será, também, um mecanismo pouco transparente de financiamento da autarquia, a qual mão padece de qualquer escassez de recursos financeiros – pelo contrário.

Um dos principais desafios da sua implementação reside na impossibilidade de a receita angariada ser consignada a qualquer fim específico, o que apenas seria possível, por exemplo, no caso de decorrer de fundos europeus, do fundo social municipal, de fundos de cooperação, entre outros. É fácil cobrar impostos a turistas que não votam em Almada, mas é moralmente errado e comporta riscos reputacionais significativos fazê-lo na ausência de qualquer contrapartida prestada pelo município – interessante seria se o município de Almada se empenhasse na real criação de valor e no desenvolvimento de experiências de turismo que pudessem reverter para os cofres municipais mediante o princípio do utilizador-pagador.

A taxa turística será, portanto, uma forma pouco transparente de arrecadar receitas adicionais para o município, sem garantia de sucesso. Também incorre no sério risco de prejudicar a atividade turística no município, que hoje não tem mais escala, e que já se debate com altos custos de contexto e altos impostos (por exemplo, uma das maiores cargas tributárias da Europa). Será também regressiva, injusta, e ineficiente na repartição do esforço entre os contribuintes, representando uma dupla taxação de serviços que hoje já são imputados aos estabelecimentos hoteleiros e refletidos nos preços. Há até evidências que demonstram uma correlação entre uma redução na despesa turística com hospedagem e o custo de uma taxa turística – diante da taxa, turistas potenciais tendem a gastar menos com hospedagem no destino, o que se reflete no dinamismo da economia (e em alguns, mas poucos casos, pode até haver um impacto negativo nas despesas não relacionadas à acomodação, como despesas no comércio local).

A falácia das taxas turísticas está na moda. Se em Almada uma taxa de 2€ por pessoa, por noite, pode impactar a demanda, a verdade é que o mesmo não acontece em todos os lugares. Veja, por exemplo, o caso de Veneza – são conhecidos os protestos por parte dos moradores contra a taxa turística aplicada pelo governo local. Nessas circunstâncias, a taxa não teve impacto nos custos de habitação para as populações locais, e é frequente o argumento de que a medida simplesmente tornou a cidade um parque de diversões com bilhete de entrada, igualmente insuportável para os residentes.

É certo, portanto, que a taxa turística prejudicará algumas pessoas, mas é absolutamente incerto que venha a produzir quaisquer resultados.

Em recentes estudos feitos por economistas da Austrália e do Canadá, comprovou-se que é questionável que as taxas turísticas aplicadas em cinco países (Estados Unidos, França, China, Espanha e Itália) tenham sido eficazes na resolução de problemas ambientais e sociais.

De nada adianta usar uma nova taxa para desculpar os falhanços do poder local. A solução para o fenómeno turístico passa, essencialmente, por medidas não financeiras como a regulação e a fiscalização. Porém, como bem sabemos, a boa gestão exige capacidade de trabalho e competência – fatores que não abundam na governação municipal.

David Cristóvão

Eleito do PSD na Assembleia da União de Freguesias de Caparica e Trafaria

Almada Online, Crónica, David Cristóvão, Opinião, PSD

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