Governo Lula esconde informações sobre Janja

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor

Enquanto finaliza um projeto para mudar o trecho da Lei de Informação (LAI) que permite sigilo de até 100 anos, o governo Lula tem escondido dados de interesse público sobre a agenda da primeira-dama, a socióloga Rosângela Lula da Silva, a Janja.

  • Leia também: Os planos de Lula para tirar prefeito de partido de Bolsonaro e trazê-lo para base aliada
  • Análise: Por que a resposta de Lula aos deportados por Trump é diferente da de Petro na Colômbia

Do ano passado para cá, o governo tem se recusado a responder uma série de pedidos apresentados pelo blog e pela ONG Fiquem Sabendo, especializada no acesso a informações públicas, sobre o trabalho da primeira-dama.

No mês passado, o blog solicitou à Presidência da República a agenda de compromissos de Janja, com a descrição dos eventos e o inteiro teor digitalizado de atas das reuniões que contaram com a sua participação.

  • Posse de Trump: Marçal admite que não esteve com líder dos EUA, mas promete novos vídeos
  • Entenda’: Marçal não encontra Trump, mas posta vídeo antigo com o presidente dos EUA

A Casa Civil negou, e o blog entrou com recurso, que ainda aguarda resposta.

Bem antes disso, em março e abril de 2024, a Fiquem Sabendo pediu agenda detalhada de compromissos e reuniões da atual primeira-dama, assim como uma planilha indicando a quantidade de assessores à disposição de Janja e a lista com nomes completos e cargos/funções.

  • Análise: Lula alçou Sidônio a superministro, mas desafios do governo vão bem além da comunicação
  • Quadro: Campanha publicitária do governo Lula aposta em empreendedor para reverter estrago do Pix

A Casa Civil também se recusou a fornecer as informações. “Esclarecemos que as informações solicitadas não poderão ser disponibilizadas, posto que a sra. Primeira-Dama não ocupa cargo público, conforme a definição dos artigos 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90. Diante disso, não possui obrigação de registrar e divulgar agenda.”

A resposta vai na contramão do protagonismo político que Janja tenta desempenhar nos bastidores, se envolvendo em questões de governo e tendo influência até em indicações para o Poder Judiciário. A primeira-dama possui inclusive um gabinete no terceiro andar do Palácio do Planaldo, a poucos metros de distância do de Lula, onde mantém uma intensa agenda de despachos – mas quem entra lá é um mistério que o governo não pretende esclarecer.

  • Supremo: Por que a PF insiste em mandar para Flávio Dino o caso do ‘Rei do Lixo’
  • Fórum privilegiado: Quem é o político que fez a investigação do ‘Rei do Lixo’ ser enviada ao STF

Desde então, a Fiquem Sabendo entrou com outros dois pedidos e apresentou três recursos tentando reverter as negativas do governo, mas a última instância de análise — a Controladoria-Geral da União (CGU) manteve sempre o entendimento pró-sigilo.

Para Bruno Morassutti, cofundador e diretor de advocacy da Fiquem Sabendo, o governo Lula está reproduzindo a mesma prática que tanto criticou durante a gestão Bolsonaro.

  • Leia também: O que aliados de Bolsonaro esperam de Trump e Musk contra Alexandre de Moraes
  • Posse de Trump: Republicano já chamou Lula de ‘lunático’ e pediu voto em Bolsonaro em 2022

Durante a campanha eleitoral, Lula mais de uma vez prometeu acabar com o “sigilo de 100 anos” imposto a Bolsonaro a uma série de documentos – da carteira de vacinação ao conteúdo dos crachás de acesso ao Planalto dados a seus filhos.

“É uma coisa que nós vamos ter que fazer: um decreto, um revogaço desse sigilo que o Bolsonaro está criando para defender os seus amigos”, disse o então candidato do PT em eventos de campanha.

  • Governo: A prioridade do novo ministro de Lula na comunicação
  • Congresso: Quem é o político que fez a investigação do ‘Rei do Lixo’ ser enviada ao STF

O relatório da equipe de transição também prometia acabar com o sigilo de até 100 anos, considerado “inibidor da transparência” e indevido. “O recurso à imposição de sigilos foi usado como forma de manter ocultas circunstâncias vinculadas à conduta de autoridades e integrantes próximos ao círculo do poder, sob falso pretexto de proteção da segurança nacional e segurança do Presidente da República, seus familiares, apoiadores e auxiliares diretos”, dizia o documento.

Depois da posse, porém, a conduta mudou, e o governo Lula já recorreu ao expediente do sigilo em casos como visitas de filhos do presidente da República ao Palácio do Planalto, gastos do governo com o helicóptero presidencial e alimentação no Palácio da Alvorada, processos disciplinares contra servidores do Ministério da Educação (MEC), comuniçações diplomáticas sobre o caso do jogador Robinho, condenado por estupro, e ofícios enviados pelo Itamaraty ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições presidenciais na Venezuela.

  • E mais: O que diz conselheiro de Lula sobre relação com a Casa Branca de Donald Trump

As negativas sobre Janja vão além e simplesmente consideram que o que a primeira-dama faz, ainda que usando dinheiro público, não é de interesse do público.

“As informações sobre a atuação pública da primeira-dama estão sendo negadas da mesma forma que eram negadas as dos filhos do ex-presidente”, diz Morassuti, da Fiquem Sabendo. Além de contraditório, isso prejudica e desmerece a imagem da própria primeira-dama, ao vincular suas atividades aos mesmos critérios opacos e descomprometidos com a transparência adotados pela gestão anterior.”

  • STF: Pena imposta por Alexandre de Moraes a Roberto Jefferson é vista como ‘prévia’ para Bolsonaro
  • Veja também: O duro recado de Alexandre de Moraes a Bolsonaro ao negar ida à posse de Trump

“Considerando o protagonismo e a relevância das atividades da primeira-dama, é razoável que exista interesse público da sociedade brasileira em ter acesso às informações sobre ela. Ainda que ela não ocupe um ‘cargo’ no sentido jurídico, é contrário ao próprio discurso do governo equiparar ela a um particular qualquer e negar informações sob este fundamento.”

O diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, o economista Bruno Brandão, concorda.

  • Justiça Eleitoral: Na mira do TSE, aliados de Bolsonaro podem ser cassados em 2025

“É público e notório que a primeira-dama está exercendo função pública, com intensa agenda de representação governamental e equipe de apoio. O fato disso estar acontecendo sem as formalizações necessárias não pode ser justificativa para desrespeitar o princípio da transparência da administração pública, a lei de acesso à informação e a lei de conflitos de interesses. Ao contrário, a informalidade agrava a situação”, critica.

Procuradas, a Casa Civil, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência e a assessoria da primeira-dama não se manifestaram.

FONTE DO ARTIGO