Nos dias em que esteve em Doha, capital do Catar, com o Botafogo para a disputa da Copa Intercontinental, Artur Jorge teve um carro luxuoso, com motorista, à disposição. Ele poderia usar para conhecer o que quisesse ou, se tivesse vontade, visitar as instalações do Al-Rayyan, que disponibilizara o veículo. O clube do Catar fazia mais uma tentativa de seduzir o treinador a aceitar, e talvez a assinar ali mesmo, um acordo para que fosse o técnico do time em 2025. Artur economizou a gasolina de quem ostenta petróleo: não usou o carro, não conversou com representantes do time, nem mesmo no dia seguinte à derrota para o Pachuca, quando preferiu passear a pé — com uma espécie de turbante na cabeça como disfarce —, pelo centro da capital.
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A recusa pelo carro, no entanto, não indica que o técnico está longe de aceitar a proposta do Al-Rayyan. Hoje, apesar de não dar a questão como fechada, o próprio treinador crê que a probabilidade maior é de ida para o Catar. Mas não foi sempre assim.
Proposta de R$ 3 milhões
Na mesa do seu agente há alguns meses, a sondagem que depois virou oferta oficial de R$ 3 milhões mensais (três vezes maior que seu salário no Botafogo) foi apresentada aos dirigentes da SAF ainda em outubro. O staff de Artur indicou o desejo de ficar no clube em 2025, já manifestando a vontade de recusar a sondagem antes mesmo que virasse um contato oficial. Pediram apenas uma conversa para melhoria das condições de trabalho do treinador. Nesta reunião, seriam apresentados os pedidos de valorização do salário do técnico e da sua equipe, bem como ideias para o planejamento para o ano que vem.
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Mesmo após algumas insistências, segundo o staff de Artur confidenciou a pessoas próximas, essas conversas nunca aconteceram. Se em um primeiro momento o português entendia por também estar focado nos jogos decisivos que dariam o título da Libertadores e do Brasileiro ao Botafogo, passou a estranhar que, conforme a temporada ia terminando, ninguém da direção o procurava. A sondagem virou então uma proposta tentadora, com valores muito superiores aos que ele já recebeu.
Mesmo com a proposta à mesa, o português, que seguiu sem ser procurado, confidenciou a conhecidos que começou a se questionar se era querido no clube, se fazia parte dos planos, mesmo com a Libertadores em mãos e o Brasileiro próximo. Foi lá que falou mais abertamente à imprensa sobre propostas recebidas.
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No clube, a entrevista à ESPN na véspera do jogo final do Brasileirão contra o São Paulo pegou mal. A avaliação foi que ele usou a oportunidade para pedir uma valorização, priorizando o individual sobre o coletivo. Com muitos jogadores com sondagens que não falaram sobre o assunto, respeitando um pacto para não desviarem o foco nos jogos decisivos, causou estranheza justo o líder do grupo escolher outro caminho.
Se a demora pesa contra o Botafogo na decisão de Artur, a avaliação de quem cuida da carreira do treinador é que não seria um passo estratégico ir para o Catar neste momento. Isso provavelmente o esconderia de mercados maiores, objetivos de seu bem traçado plano de carreira. A boa ligação com a torcida do Botafogo e a provável falta de torcedores lá, além do fato do Al-Rayyan não ser um protagonista no futebol local (é 8º na atual liga), são outros fatores que o português coloca na balança, assim como o Mundial de Clubes, em junho.
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Com um ex-jogador da seleção à beira da demissão no comando do Al-Rayyan, os cataris querem logo a resposta para definir o futuro da equipe, que volta a jogar em 10 de janeiro. A falta de uma conversa com o Botafogo nos mais de dois meses que se passaram desde a sondagem, e o fato da investida seguir à mesa, transformaram a situação em uma provável, ainda que indesejada, saída de Artur Jorge.
Após a derrota na estreia da Copa Intercontinental, o sentimento de fim de ciclo aumentou no treinador. Nas 24 horas que passou no Rio entre a chegada do Catar e a ida para Portugal, onde está com a família, de férias, Artur manteve tom de despedida. Ele disse a algumas pessoas que resolveria burocracias de moradia e telefonia, e até distribuiu presentes para amigos.
No seu entorno, porém, resta dúvida se a atitude foi de fato um adeus ou uma forma de chamar a atenção do Botafogo para sua saída iminente, fazendo o burburinho também interno aumentar. Ele foi o único a vir para o Brasil antes de seguir para Portugal: toda sua comissão foi diretamente para a Europa, de férias.
Já na SAF, paira a sensação de que o técnico força para que as coisas aconteçam no seu tempo, enquanto o que importa, sem trocadilhos, é o tempo do Botafogo. Comenta-se que não há necessidade de tratar o assunto em público, e que ele deveria confiar nos processos internos, como sempre fez até as últimas semanas. Procurado, John Textor não respondeu as perguntas da reportagem.
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Antes de embarcar para Portugal às 17h de sábado, no Galeão, Artur fez questão de deixar claro a amigos que ainda não tem nada assinado com os cataris, que precisariam pagar uma multa de 2 milhões de euros para tirá-lo do Botafogo, com quem tem contrato até o fim de 2025. Assim, deixa uma porta aberta para que Textor desfaça a nuvem de desentendimento e, com uma valorização salarial, mesmo que não alcance o número dos árabes, o convença a ficar.
Internamente, há uma corrente que vê Textor repetindo o comportamento que teve quando o técnico Luís Castro e o jogador Júnior Santos, ambos sob contrato, indicaram possibilidade de saída em caso de não valorização. Negociador pragmático, o americano usa como estratégia esticar a corda ao máximo, demorando para dar o primeiro passo, para que o outro lado baixe as armas e as exigências. Como no caso de Júnior Santos, o dono da SAF pretendia, ao menos até o fim da noite de sábado, sinalizar com um aumento, mas no seu tempo, e exigindo a ampliação do tempo de contrato para isso.
De acordo com o Canal do TF, o salário de Artur Jorge já teria, inclusive, um reajuste na próxima temporada. Com as clausulas de títulos atingidas, os vencimentos do treinador passariam de dois milhões de dólares por temporada para quatro milhões de dólares por ano (aproximadamente R$ 2 milhões por mês). Por outro lado, segundo a ESPN noticiou no fim da noite de domingo, o clube já vê o técnico aceitando a proposta do Al-Rayyan, antes mesmo de conversar com o clube.
O temor, segundo metáfora de uma pessoa do clube que falou à reportagem, é que quando Textor puxe a corda, ela já esteja tão esticada que rasgue. Ou que, quando puxar a vara, já não haja peixe, só anzol e água, e alguém já esteja nadando pelos mares do Golfo Pérsico, nos arredores de Doha.