Na interminável fila de beija-mão que se formou em Mar-a-Lago, na Flórida, após a vitória de Donald Trump na eleição presidencial de novembro, a presença mais comentada foi a de boa parte dos geniozinhos — hoje homens feitos — que fundaram os gigantes da tecnologia a mover o mundo. Foi uma surpresa: o mesmo conjunto de cabeças criativas e soberanamente independentes que passou anos lhe torcendo o nariz de repente pedia um convite, apertava a mão, jantava com sua família e presenteava com milhões de dólares a vaquinha para a cerimônia de posse e outros festejos da nova gestão. Na terça-feira 7, um dos primeiros da fila, Mark Zuckerberg, dono da Meta e, por tabela, do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, foi mais longe no alinhamento e presenteou Trump com uma virada empresarial na medida certa para quem pronuncia inverdades e manipula as redes: a extinção das ferramentas que monitoram discursos e checam a veracidade do conteúdo publicado nas suas plataformas. “É hora de a Meta voltar às raízes no que se refere à liberdade de expressão”, afirmou em vídeo.
A iniciativa copia o que já é feito no X (ex-Twitter), de Elon Musk, primeiro e mais entusiasta magnata da tecnologia a pôr na cabeça o boné do MAGA (Make America Great Again). Ao comprar sua rede, há três anos, Musk tratou logo de transferir aos usuários a função de denunciar fake news. “Os checadores são politicamente motivados e mais destruíram do que construíram confiança”, justificou agora o dono da Meta. Além do liberou geral nas postagens (com exceção de pornografia, promoção de ilegalidades e “violações de alta gravidade”), a Meta alçou ao cargo de presidente de assuntos internacionais um republicano de carteirinha, Joel Kaplan, e instalou no conselho da empresa Dana White, dono da franquia UFC, trumpista roxo e incentivador do jiu-jítsu, o esporte do coração de Zuck. Outra promessa é ajustar os algoritmos para sugerir mais conteúdo político aos usuários. “Estamos em uma nova era. Começamos a ver que as pessoas estão interessadas nesse assunto novamente”, justificou.
Zuckerberg afirmou ainda que vai trabalhar com o novo governo americano para impedir a “censura” em outros países e citou dois exemplos. Um, a Europa, onde um número crescente de leis dificulta a “inovação”. Outro, a América Latina, onde “tribunais secretos” agem “na surdina” para remover conteúdo indesejável — alusão mal dissimulada ao Supremo Tribunal Federal e ao ministro Alexandre de Moraes, que, no ano passado, suspendeu o X no país por descumprir ordens judiciais. A Meta também vai transferir a reduzida equipe de moderação que sobrou da Califórnia para o Texas — um ímã da direita no qual Musk, sempre ele, instalou boa parte de seu império —, onde acredita que o viés político não será tão forte.
O criador do Facebook e seus colegas do Vale do Silício — e, de certa forma, também Musk, um imigrante sul-africano que começou lá — fazem parte de uma geração criada em universidades onde as ideias progressistas sempre predominaram. O clube dos gênios da tecnologia, no entanto, pela própria linha de trabalho criativo destinado a mudar a vida do planeta, sempre proclamou apreço a um conceito mais libertário, de cada um fazer o que quiser nos limites da legalidade (ou até além dele). A chegada do furacão Trump e da direita radical a princípio não os atraiu, até porque mostravam certo desdém pela política.
Mas aí vieram a onda woke, a pressão cada vez mais intensa por controles na internet, a aprovação de leis responsabilizando os meninos bilionários pelo discurso em suas plataformas — e a ideia de embarcar na canoa antirregulamentação de Trump ganhou forma, apesar dos imensos riscos. Musk foi o primeiro a entrar, sem nem ter certeza de que o garantidor de sua liberdade para empreender — e ganhar muitos dólares — chegaria à Casa Branca. Uma vez proclamada a vitória, visitaram Mar-a-Lago não só Zuckerberg como também Bill Gates, Sergey Brin, do Google, e Jeff Bezos, da Amazon — que, na condição de proprietário do prestigiado Washington Post, já havia barrado o jornal de declarar apoio à democrata Kamala Harris nas eleições, e que anuncia para seu streaming, ainda este ano, um documentário sobre Melania Trump produzido por ela mesma. “Trata-se de um casamento por conveniência”, resume James Dennis, professor de comunicação política da Universidade de Portsmouth. Os donos das big techs dão verniz ao governo Trump, que remove interferências desagradáveis em seus negócios. Consumada essa união de interesses, nem o céu é o limite.
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926