Donald Trump venceu a guerra da Cultura Pop

Donald Trump venceu a guerra da Cultura Pop

Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRD

Em 20 de Janeiro de 2025, Donald Trump toma posse como o 47º presidente dos Estados Unidos. Será apenas a segunda vez em que um ex-presidente derrotado nas urnas retornou à Casa Branca. Trump também é o segundo presidente do país oriundo da indústria do entretenimento. Além do apresentador do reality show O Aprendiz, Ronald Reagan (1981-1988) foi ator em Hollywood.

As semelhanças vão além das telas. Como Reagan, Trump se elegeu presidente duas vezes com uma plataforma política ultraconservadora, como candidato do Partido Republicano. O bilionário do setor imobiliário utilizou em suas campanhas o mesmo slogan adotado por Reagan na campanha eleitoral de 1980: “Torne a América grande novamente”.

Em contraste com seu antecessor, Trump não encontrou na mídia tradicional um veículo para suas ideias. A Hollywood dos anos 1940 – quando Reagan se tornou estrela – era um conglomerado de ideais a serviço da política externa norte-americana, intimamente associado ao esforço militar dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e as primeiras décadas da Guerra Fria. A indústria do entretenimento alavancou a carreira política do ator, que foi para o frente após o bombardeio japonês à base de Peal Harbor. Reagan se beneficiou do poder brando do cinema para se eleger governador da California.

Após a Guerra do Vietnã, porém, Hollywood se tornou foco de dissidência política, mais próximo da ala esquerda do Partido Democrata do que do conservadorismo republicano. Inicialmente, Trump se associou aos democratas – era amigo pessoal do casal Clinton. Na medida em que o bilionário passou a promover uma visão de mundo nostálgica e retroativa, passou a ser tratado com desdém pela indústria do entretenimento. Nos tempos atuais, podemos encontrar paródias de Trump em múltiplas mídias, tais como o humorístico de TV Sábado à noite ao vivoos desenhos dos Simpsons, o mangá Caderno da Mortealém de diversas músicas, filmes e livros satíricos. A avalanche de críticas tornou o magnata alaranjado uma das figuras mais rejeitadas na cultura pop contemporânea.

Por outro lado, a popularidade de Trump cresceu exponencialmente em outras mídias, se contrapondo à ridicularização promovida pelo convencional. Sua popularidade digital remonta aos primórdios da Internet, onde Trump adquiriu feições míticas, não apenas por suas muitas postagens incendiarias nas redes sociais. Após décadas de infâmia, ele se tornou símbolo de rebeldia para aqueles marcados pelo rancor social. Lentamente, a notoriedade digital se converteu em ganhos políticos no sistema partidário dos EUA, à medida que os republicanos se tornaram mais permeáveis à retórica das redes sociais (utilizadas intensamente por Barack Obama em campanhas vitoriosas em 2008 e 2012).

Além de permanecer como foco de críticas multimidia, Trump se manteve em evidência, décadas antes de galgar os degraus de Capitol Hill. Fez pontas em vários filmes, tais como Esqueceram de Mim 2além de seriados como Sexo e a cidade e participação em programas de luta-livre. Ao longo dessas décadas sob os holofotes, o perfil público de Trump se tornou um Freak Show com tonalidades kitsch. O sucesso como apresentador o levou para a calçada da Fama em Hollywood em 2007.

A campanha eleitoral de 2024 mostrou essa ambivalência da cultura pop em confronto direto. A vice-presidente Kamala Harris (candidata democrata após a desistência do presidente Joe Biden) foi apoiada maciçamente por Hollywood e estrelas da música Pop como Beyoncé. Suas doações de campanha superaram a cifra de 1 bilhão de dólares. Do outro lado, Trump era apoiado por podcasters e influenciadores da extrema-direita, além do polpudo patrocínio de bilionários do Vale do Silício como Elon Musk e Mark Zuckerberg.

A vitória sobre os democratas foi sacramentada por um combo de atuações televisivas de Trump – incluindo a desmoralização de Biden, tornado um meme no único debate entre os presidentes. A seguir, uma série de propagandas curtas sob a lógica das redes sociais atrelou a imagem de Kamala a políticas públicas polêmicas ou fracassadas.

A ascensão multimidia do nativo do Queens se refletiu na bizarra escalação das atrações musicais da cerimônia de posse presidencial. Celebridades de reality shows como Carrie Underwood dividirão o palco com o rapper Kid Rock, o artista country Billy Ray Cyrus (pai de Miley Cyrus), o grupo clássico da disco Village People e o cantor lírico Christopher Macchio. A uni-los, o afã de fazer a América (do Norte) “grande novamente”.

Ó fundição da cerimonia de posse foi finalizado ao longo de duas semanas, durante as quais Trump ameaçou assumir o controle do Canal do Panamá, insinuou que o Canadá deveria se tornar o 51º estado norte-americano, se ofereceu para adquirir a Groenlândia e propôs mudar o nome do Golfo do Mexico para “Golfo da América”. Essas declarações dignas de um participante de reality show foram recebidas com perplexidade por um mundo dividido por guerras, competição comercial, mudança climática e pandemias.

Enquanto os democratas ardem na fogueira das vaidades e a Califórnia, ao sabor dos incêndios florestais, Donald Trump retorna aos holofotes da política global como um lança-chamas de mágoas privadas e vinganças publicizadas. Porta-voz de uma grande potência que se viu diminuída, diante de problemas domésticos e da competição com países emergentes do Sul Global, Trump investe contra a globalização – ironicamente, uma das fontes e um dos mais claros efeitos de sua ascensão. A mescla de negócios transnacionais com notoriedade digital o alçou ao posto de personalidade global e transformou sua imagem num espelho para magnatas e populistas ao redor do planeta.

Ao pretender tornar a América grande novamente, a imagem de Trump cresceu amplamente. Enquanto os EUA permanecerem em crise, o perfil do novo presidente será intensificado. Em um mundo que cresce mais do que os domínios de Washington podem apreciar, as tendências da globalização acariciam o ego inflado do (novamente) inquilino da Casa Branca.

Reagan presidiu o fim da Guerra Fria e colheu os louros da vitória sobre a União Soviética. Sua imagem de grandeza posterior se confundiu com a queda do Muro de Berlim. Trump, líder de uma nação em múltiplas crises, se alimenta de fracassos e nostalgias de 1989.

Sobre Carlos Frederico Pereira da Silva Gama: Escritor, poeta, cronista, doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio, fundador do BRICS Policy Center, professor da Shiv Nadar University (Índia), cinéfilo e leitor voraz, fã da Fórmula 1 e da cultura pop, líder das bandas independentes Oblique, EXXC e Still That.

Escreveu para a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Dia, Brasil Econômico, Portal R7, Observatório da Imprensa e publicações acadêmicas como Global Governance e E-International Relations. É colunista de música e cinema do blog de cultura pop Cultecléticos.

Publicou quatro livros – “Surrealogos” (2012), “Modernity at Risk: Complex Emergencies, Humanitarianism, Sovereignty” (2012), “Após a Guerra, Estabilidade? Mudanças Institucionais nas Operações de Paz da ONU (1992-2000)” (2016) e “Ensaios Globais: da Primavera Árabe ao Brexit (2011-2020)” (2022).

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